sábado, 12 de novembro de 2011

Fernando Pessoa ortónimo - A nostalgia de um bem perdido

O Menino da Sua Mãe

"No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado-
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue,
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
Agora que idade tem?
Filho unico, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera -
«O menino de sua mãe»...

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… Deu-lho a criada
Velha, que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
Que volte cedo, e bem!
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece,
O menino da sua mãe...

Esta composição poética é constituída por seis quintinhas de versos de seis silabas métricas (hexassílabos).

Inicialmente, o sujeito lírico enuncia que naquele terreno se encontra o corpo do “menino de sua mãe” que vai arrefecendo apesar da “morna brisa” que atravessa o espaço. Com esta primeira estrofe, pretende reforçar-se o sentimento que o narrador sente ao observar o absurdo dos momentos da guerra, sendo que esta é a própria temática do poema. No primeiro verso, encontra-se a primeira hipálage da composição – “no plaino abandonado” – para transportar o conceito de abandono do menino para o “plaino”.

A segunda parte do poema inicia-se com duas frases do tipo exclamativo utilizadas pelo sujeito poético para reforçar a efemeridade da vida do menino. A repetição do nome “jovem” relaciona-se com a expressividade das frases exclamativas pois estas também pretendem demonstrar a emoção da juventude do menino quando este morreu. A quarta quintilha apresenta um dos objectos que efectua a ligação entre os dois espaços e personagens presentes na composição – a “cigarreira” -. Ao surgimento deste substantivo vem agregada uma hipálage no verso “A cigarreira breve” que representa a brevidade da vida do menino pois este não teve tempo de utilizar a “cigarreira” oferecida pela sua mãe. A segunda parte do poema termina com a quinta quintilha onde surgem uma outra hipálage – “a brancura embainhada” – que se relaciona com a anterior devido à reduzida duração da vida do menino e o outro objecto que faz a ligação “menino – casa” – o lenço.

Sem comentários:

Enviar um comentário