sábado, 14 de abril de 2012

Análise de Os Lusíadas

Os Lusíadas são uma epopeia onde se exaltam os feitos heróicos do povo português e onde se enaltece a glória desse povo que fundou a Nacionalidade e conquistou um Império vastíssimo. Vasco da Gama narra ao Rei de Melinde a história de Portugal e a sua viagem de Lisboa até Melinde sempre numa perspectiva de exaltação e glória que abrange os planos da História e da Viagem. Contudo, para além de todo o enaltecimento, emerge o plano das reflexões do poeta onde surge uma face nocturna e sombria da epopeia, visto que nas suas considerações o poeta lamenta, critica e denuncia certos comportamentos e actividades, evidenciando um certo sentimento de crise que começa a instalar-se e a conduzir a pátria para a decadência.
Na verdade, o poeta lamenta o facto da pátria portuguesa estar mergulhada no materialismo e rejeitar a vertente cultural, denunciando o facto de haver um desencontro entre a politica e a cultura, o que não permite a evolução e o crescimento. Tornado-se a si como exemplo, o poeta lamenta ainda de não o reconhecerem nem valorizarem e insiste na necessidade de que a pátria não pode continuar mergulhada na ambição, na cobiça e no materialismo, caso contrário caminhará rapidamente para a estagnação.

Episódio do Velho do Restelo:

O velho é humanista, logo é contra a guerra e como tal condena todos os conflitos. Simboliza a corrente de oposição à expansão marítima, mais concretamente a velha nobreza com o seu espírito de cruzada, que considerava a expansão a principal causadora da decadência moral do reino.

As cousas do mar:

Ao nível da estrutura, as estrofes situam-se no canto V de Os Lusíadas e no que se refere à estrutura interna situa-se na narração, quando as naus estão em Melinde e Vasco da Gama conta ao rei Mouro, em analepse, as viagens de Lisboa até Melinde. Neste caso especifico, o Gama relata os perigos de viagem, mais concretamente o fogo-de-Santelmo e a tromba marítima.

Trata-se de uma descrição dinâmica dos fenómenos onde sobressai recursos estilísticos como o pleonasmo como reforço do saber empírico, adjectivação expressiva ( "vivo", "esquivo", "escura", "triste"), verbos expressivos que conduzem á sensação visual como, por exemplo, enche, alarga, surver. A descrição dos fenómenos, em especial da tromba marítima é tão pormenorizada que permite construir uma imagem visual da mesma (est. 19 e 20) - Registe-se o destaque para o verbo ver que denota certeza, realismo e verdade; entrelaçam-se nestas estrofes 2 tipos de saberes: o saber empírico ( possuído pelos marinheiros e resultante da sua experiência e da observação directa de fenómenos) e o saber cientifico ( pertence aos sábios, um saber teórico, mais incompleto e menos real). Camões foi um humanista, conhecedor de toda a cultura greco-latina e, paralelamente de todo o conhecimento cientifico, soube entrelaça usando a sua experiência de viajante por mar, o conhecimento empírico, através do qual é possível descrever minuciosamente os fenómenos observados directamente. Neste âmbito, o saber empírico passou a ser valorizado e contribuiu fortemente para o enriquecimento do saber cientifico.

Reflexões do poeta, n’ Os Lusíadas:

Na primeira reflexão d'Os Lusíadas, sobre a insegurança da vida, Camões reage à traição protagonizada por Baco, lamentando-se da personalidade escondida dos seres humanos. Estabelece um paralelismo entre os perigos encontrados no mar e em terra, verificando que em nenhum dos ambientes há, segurança absoluta. Na sequência disto, reflecte sobre a posição do ser humano face à natureza, já que na sua fragilidade. e insegurança é capaz de atravessar mares e conquistar povos, ultrapassando com sucesso os diferentes obstáculos.

A reflexão sobre a dignidade das Artes e das Letras é um episódio marcadamente Humanista. Isto é observável noutras partes da obra pela demonstração da vitória do Homem sobre a Natureza e a vontade de saber e descobrir. No que se refere a este trecho específico, o Humanismo revela-se pela presença da componente pedagógica oferecida pelas artes e letras" e pelo modelo de perfeição humana que é a capacidade de conjugar os feitos guerreiros com o conhecimento literário, objectivo conseguido pelos chefes da antiguidade (como seja o exemplo citado de César).

Camões alegra-se ao verificar que na Antiguidade sempre houve personagens protagonistas de feitos heróicos e simultaneamente autores capazes de os cantar condignamente. Em oposição, lamenta-se do facto de, apesar de os portugueses terem inúmeros feitos passíveis de serem louvados, não ser prezada a poesia, tornando-o num povo ignorante. Na sequência disto, caso continue a não haver em Portugal uma aposta nas artes, nunca ninguém exaltará os feitos dos portugueses.
Apesar de tudo, Camões vai continuar a escrever a sua obra, por amor e gosto à arte de louvar, mesmo sabendo de antemão que o mais provável é não ver) devidamente reconhecidos os seus versos.

No final do canto VI, Camões apresenta-nos o seu conceito de nobreza, recorrendo para isso à oposição com o modelo tradicional. Desta forma, o poeta nega a nobreza como título herdado, manifestada por grandes luxos e ociosidade. Propõe então, como verdadeiro modelo de nobreza, aquele que advém dos próprios feitos, enfrentando dificuldades e ultrapassando-as com sucesso. Só assim poderá superiorizar-se aos restantes homens e ser dignamente considerado herói. O estatuto será adquirido ao ver os seus feitos reconhecidos por outros e, mesmo contra a sua vontade, ver-se-á distinguido dos restantes.

Na reflexão que faz no início do canto VII, Camões faz um elogio ao espírito de cruzada e critica os que não seguem o exemplo português. Isto porque, para Camões, a guerra sem pretensões religiosas não faz sentido, visto ser apenas movida" pela ambição da conquista de território. Assim, recorre ao exemplo do Luteranismo alemão para criticar a oposição ao Papa e às guerras que não seguem os ideais camonianos.
Dirige-se depois aos ingleses, que deixam que os Muçulmanos tenham sob controlo a cidade de Jerusalém e preocupa-se apenas em criar a sua nova forma de religião (anglicanismo). Também os franceses, ao invés de combaterem os infiéis, aliaram-se aos turcos para combater outros cristãos. Nem os próprios italianos passam impunes, ao ser-lhes criticada a corrupção. Para incitar à conquista de povos não -cristãos, visto esta causa não ser suficiente, Camões lembra as riquezas da Ásia Menor e África, incitando desta forma a expansão. Termina elogiando os portugueses, que se expandiram por todo o mundo tendo como fim primário a divulgação da fé.

Na segunda reflexão que faz no canto VII, Camões critica os opressores e exploradores do povo. Começa por uma retrospectiva da sua própria vida, com etapas como a pobreza, a prisão, o naufrágio, fazendo destas um balanço negativo. No entanto, para ele a maior desilusão continua a ser o facto de não ver a sua obra devidamente reconhecida. Alerta portanto para o facto de os escritores vindouros se poderem também sentir desta forma, desencorajando a escrita e a exaltação dos heróis. Segue depois para uma" crítica mais abrangente, afirmando que não louvará quem se aproxima do Rei tendo como intentos únicos a fama e o proveito próprio. Não louvará também aqueles que se inserem nos meios reais de forma a conseguirem poder para explorar o povo. Termina invejando aqueles que em serviço do Rei foram reconhecidos, já que ele se sente cansado pela forma como é tratado pelos compatriotas.
No final do canto VIII, Camões centra a sua reflexão nos efeitos perniciosos do ouro, constatando que a avidez em que vive o ser humano conduz muitas vezes a acções irreflectidas, independentemente da posição social. Lista todos os efeitos do metal precioso, desde traições à corrupção da ciência, ao afirmar que o ouro. Pode fazer com que os juízes dêem demasiada importância a uma obra pelo facto de terem sido remunerados para tal.

No final da obra, Camões lamenta-se do facto de não estar a ser devidamente reconhecido, já que a sociedade se rege somente pelo dinheiro, decidindo por isso pôr-lhe termo. Não deixa no entanto de louvar os portugueses e todos os perigos por eles ultrapassados (definição camoniana de nobreza). Elogiando os heróis passados, alerta os homens do presente que a vida nobre não passa pelo ouro, cobiça e ambição.
Exorta D. Sebastião a valorizar devidamente aqueles que pelos seus feitos se puderem considerar nobres. Correspondendo à visão aristotélica" da epopeia, remata com novas proposição e dedicatória e incita o rei a feitos dignos de serem cantados.

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