quarta-feira, 25 de abril de 2012

Fernando Pessoa - Mensagem

Mitificação do herói em Mensagem:

Em Mensagem, as figuras históricas da epopeia camoniana surgem como personagens míticas que funcionam como modelos. O herói da Mensagem projecta-se para além do momento histórico em que a acção teve lugar, sendo a sua dimensão simbolica e mítica que importa enquanto marco na história da Humanidade. Este herói é predestinado, escolhido, sacralizado e situa-se no domínio do sonho, procurando contudo a superação dos limites que caracterizam a própria condição humana ("Deus quer, o homem sonha, a obra nasce").
Em síntese, pode dizer-se que o herói de Mensagem surge da necessidade de combater a estagnação que caracteriza Portugal do séc.XX, um Portugal sem glória que tem de renascer e regenerar-se. Essa constatação leva a que o poeta de Mensagem a fazer um apelo aos seus compatriotas, no sentido de iniciarem a sua acção na construção de um novo tempo, a era do Quinto Império com o seu Messias salvador.

Mensagem e Lusíadas:

O projecto da Mensagem é o de superar o carácter obsessivo e nacional d’Os Lusíadas no imaginário mítico-poético nacional. Os Lusíadas conquistaram o título de “evangelho nacional” e foram elevados à categoria de símbolo nacional. A Mensagem logo no seu título aponta para um novo evangelho, num sentido místico, ideia de missão e de vocação universal. O próprio título indicia uma revelação, uma iniciação.
Pessoa previa para breve o aparecimento do “Supra-Camões” que anunciará o “Supra-Portugal de amanhã”, a “busca de uma Índia Nova”, o tal “porto sempre por achar”.
A Mensagem entrelaça-se, através de um complexo processo intertextual, com Os Lusíadas, que por sua vez são já um reflexo intertextual da Eneida  e da Odisseia. Estabelece-se portanto um diálogo que perpassa múltiplos tempos históricos. Pessoa transforma-se num arquitecto que edifica uma obra nova, com modernidade, mas também com a herança da memória.
Em Camões, memória e esperança estão no mesmo plano. Em Pessoa, o objecto da esperança transferiu-se para o sonho, daí a diferente concepção de heroísmo.
Pessoa identifica-se com os heróis da Mensagem ou neles se desdobra num processo lírico-dramático. O amor da pátria converte-se numa atitude metafísica, definível pela decepção do real, por uma loucura consciente. Revivendo a fé no Quinto Império, Pessoa reinventou um razão de ser, um destino para fugir a um quotidiano absurdo. O assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão por cumprir. Portugal é reduzido a um pensamento que descarna e espectraliza as personagens da história nacional.

Os Lusíadas e Mensagem:


A par das afinidades que se possam estabelecer entre as duas obras, ressaltam inúmeras diferenças, a primeira das quais diz respeito à temporalidade nelas reflectida: início do império e fase terminal de dissolução do mesmo. Para além desta, encontram-se ainda outras diferenças:


OS LUSIADAS

MENSAGEM

Herói colectivo: o povo português
Heróis individuais e exemplares


Heróis de carne e osso, valentes, de dimensão heróica mas verosímil


Heróis mitificados, carregados de dimensão Simbólica

D. Sebastião – rei a quem a obra é dedicada


D. Sebastião – rei desaparecido e  transformado em mito, em sonho, em ideal


Celebração da história, do passado e visão crítica do presente (o do Poeta)

Messianismo e glorificação do futuro


Realidade histórica inspira a produção épica

Simbolismo das figuras representadas


Dinamismo, acção, conflito


Contemplação, sonho

Construção do Império material; glorificação do herói


Construção e destruição do império material; aspiração ao império espiritual

Temporalidade precisa


Transtemporalidade mística e mítica


Feitos concretos

Matéria dos sonhos

D. Sebastião – eleito por Deus para alargar a Cristandade


Portugal - instrumento de Deus onde os heróis cumprem um destino que os ultrapassa (veja-se o poema "D. João, o Primeiro")

Portugal – cabeça da Europa


Portugal - rosto da Europa que "fita" o futuro


Império terreno


Império espiritual


Em termos de semelhanças pode salientar-se: a presença de poemas sobre Portugal e os portugueses; a concepção de D. Sebastião como ser eleito; a vontade divina de se concretizar através de heróis predestinados; a existência de fragmentação na apresentação dos heróis; a exaltação épica da acção humana; o destaque para a superioridade dos marinheiros portugueses relativamente aos da antiguidade; a assunção do sacrifício em nome da Pátria; o surgimento da gloria marcada pelo sofrimento e por lágrimas; a evocação do passado com o objectivo de projectar ou idealizar o futuro.




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