sábado, 12 de maio de 2012

Luis de Sttau Monteiro - Felizmente Há Luar - Reflexão

Reflexões

No conjunto de personagens agrupadas na esfera do poder e do anti poder, sobressai Matilde, que é, sem dúvida, "a figura mais dramaticamente elaborada de toda a peça".
Na verdade, Matilde, que apenas aparece em cena no segundo acto, surge-nos, inicialmente, como a mulher de um prisioneiro, disposta a tudo, inclusive abdicar dos ideais que levaram o general à prisão, para salvar o seu homem. No entanto, à medida que a acção dramática avança, Matilde aparece-nos como uma mulher dividida entre os seus humanos anseios (salvar Gomes Freire) e a convicção de que salvar o general, sacrificando a liberdade, não faz sentido. Assim, Matilde vai crescendo e quase que substitui o general enquanto símbolo da luta pela dignidade e liberdade. Matilde, contudo, nunca abdica da sua faceta de mulher apaixonada, advindo dai a sua complexidade enquanto personagem, uma vez que a vemos, simultaneamente, como amante e mártir da liberdade.
Essa complexidade atinge o seu auge no momento final da peça, quando Matilde mergulha num estado de alucinação, entrando em dialogo com o general, num momento em que as fogueiras ja iluminam o céu de Lisboa e o martírio de Gomes Freire é irreversível. 

Felizmente Há Luar, texto emblemático do teatro português dos anos 60, desenvolve um conjunto de temas (opressão, luta pela liberdade, amor) que constitui um todo indissociável. No entanto, se tiver que optar pelo tema fundamental, parece-me que a denúncia da opressão se apresenta como núcleo principal.
Com efeito, toda a trama dramática de Felizmente Há Luar!, desde o conluio entre os três representantes do poder (Beresford, D. Miguel e Principal Sousa) no sentido de construírem um "culpado" de uma hipotética sublevação militar e popular, até à corajosa atitude de Matilde, apoiada em Sousa Falcão, para libertar o seu homem e denunciar a hipocrisia dos "Reis do Rossio", se estrutura em torno do tema da opressão
Para além da história da condenação de Gomes Freire de Andrade, é importante, também ter-se consciência de que a verdadeira opressão que se quer denunciar é a que se vivia no Portugal dos anos , debaixo da ditadura Salazarista.

Concluindo, poder-se-á afirmar que Felizmente Há Luar se constitui como uma espécie de hino a todos os residentes e a todos aqueles que lutaram pelo fim da opressão e pela restituição da liberdade ao povo português.

Luís de Sttau Monteiro começou a tomar contacto com movimentos de vanguarda da literatura europeia. A influencia de Brecht é nítida na peça Felizmente Há Luar!, onde, através de um efeito de distanciação, o leitor/espectador toma contacto com uma realidade histórica vivenciada no primeiro quartel do século XIX (lutas liberais), para reflectir criticamente, e compara-la com o momento presente (século XX).

A década de 60, regida pela ditadura de Salazar, não permitia uma liberdade de expressão, o que fez com que os escritores opositores ao regime arranjassem subterfúgios para fugirem à censura. A "máscara", como refere Luís Francisco Rebello, usada por Sttau Monteiro, foi "mergulhar" no passado para fornecer o exemplo, levando à reflexão crítica.
Verificamos um forte paralelismo entre a época representada (1817) e a época de escrita (1961). Deste modo, surgem-nos dois tempos que se aproximam pela presença de poderes ditatoriais (o absolutismo e o Salazarista/fascista); pela falta de liberdade e pela luta por essa liberdade; pela repressão da polícia política; pela esperança na liberdade, liderada por dois generais (Gomes Freire de Andrade e Humberto Delgado) que tiveram um destino semelhante (assassinados); pela ligação do poder à Igreja; pela justiça que se encontrava vendida ao poder. Para tal, o dramaturgo serviu-se de personagens-tipo para representarem antagonicamente os grupos dos opressores e oprimidos.

Felizmente Há Luar! é um tipo de teatro que designa chamar-se teatro moderno, épico ou não aristotélico por oposição ao teatro clássico.
O teatro clássico tinha como objectivo despertar emoções no espectador, levando-o a sentir terror ou piedade face ao que se desenrola em cena/arrastamento emocional.
Contrariamente, o teatro épico tem como objectivo levar o espectador a pensar e a reflectir sobre o que se passa em cena, de modo a que possa fazer uma análise crítica dos acontecimentos. Também em oposição ao teatro, o épico pretende provar que a complexidade da condição humana e os problemas sociais não depende do destino, mas sim de causas sociais, económicas, políticas e históricas. Nesta perspectiva, cabe ao espectador perceber que é possível combater essas forças e superar as desgraças humana que não são eternas e o combate é de igual para igual.

Valor da Liberdade - É importante referir que o 25 de Abril de 1974 trouxe alterações profundas em termos político-sociais e a liberdade foi um bem adquirido que permite a livre expressão do pensamento, os direitos do homem são uma realidade respeitada e tida em conta, ninguém é condenado sem ser julgado e as forças da ordem têm uma função de prevenção pedagógica, a comunicação social e os escritores não estão sujeitos à censura e, de um modo geral, o ser humano é tratado de forma nobre e digna, quase nunca esquecendo os direitos da Declaração Universal.

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