A sua morte, duplamente aviltante para um militar (ele é enforcado e depois queimado, quando a sentença para um militar seria o fuzilamento), servirá de lição a todos aqueles que ousem afrontar o poder político e também, de certa forma, económico, representado pela tença que Beresford recebe (16.000$00 anuais, uma fortuna para a época!) e que se arriscaria a perder se Gomes Freire chegasse ao poder.
Matilde de Sousa - companheira de todas as horas de Gomes Freire, é ela que dá voz à injustiça sofrida pelo seu homem. A suas falas, imbuídas de dor e revolta, constituem também uma denúncia da falsidade e da hipocrisia do Estado e da Igreja. Todas as tiradas de Matilde revelam uma clara lucidez e uma verdadeira coragem na análise que faz de toda a teia que envolve a prisão e condenação de Gomes Freire.
No entanto, a consciência da inevitabilidade do martírio do seu homem (e daí o carácter épico da personagem de Gomes Freire) arrasta-a para um delírio final em que, envergando a saia verde que o general lhe oferecera em Paris (símbolo de esperança num futuro diferente?), Matilde dialoga com Gomes Freire vivendo momentos de alucinação intensa e dramática. Estes momentos finais, pelo carácter surreal que transmitem, são também a denúncia do absurdo a que a intolerância e a violência dos homens conduzem.
Sousa Falcão - É o amigo de todas as horas, é o amigo fiel em quem se pode confiar e que está sempre pronto a exprimir a sua solidariedade e amizade. No entanto, ele próprio tem consciência de que, muitas vezes, não actuou de forma consentânea com os seus ideais, faltando-lhe coragem para passar à acção.
Vicente, o traidor - Elemento do povo, trai os seus iguais, chegando mesmo a provocá-los, apenas lhe interessando a sua ascensão político-social. Apesar da repulsa/antipatia que as atitudes de Vicente possam provocar ao público/leitor, o que é facto é que não se lhe pode negar nem lucidez nem acuidade na análise que faz da sua situação de origem e da força corruptora do poder. Vicente é uma personagem incómoda, talvez porque nos faça olhar para dentro de nós próprios, acordando más consciências adormecidas.
Manuel e Rita - Símbolos do povo oprimido e esmagado, têm consciência da injustiça em que vivem, sabem que são simples joguetes nas mãos dos poderosos, mas sentem-se impotentes para alterar a situação. Vêem em Gomes Freire uma espécie de Messias e daí, talvez, a sua agressividade em relação a Matilde, após a prisão do general, quando ela lhes pede que se revoltem e que a ajudem a libertar o seu homem. A prisão de Gomes Freire é uma espécie de traição à esperança que o povo nele depositava.
Podem também simbolizar a desesperança, a desilusão, a frustração de toda uma legião de miseráveis face à quase impossibilidade de mudança da situação opressiva em que vivem.
Beresford - Personagem cínica e controversa, aparece como alguém que, desassombradamente, assume o processo de Gomes Freire, não como um imperativo nacional ou militar, mas apenas motivado por interesses individuais: a manutenção do seu posto e da sua tença anual. A sua posição face a toda a trama que envolve Gomes Freire é nitidamente de distanciamento crítico e irónico, acabando por revelar a sua antipatia face ao catolicismo caduco e ao exercício incompetente do poder, que marcam a realidade portuguesa.
D. Miguel - É o protótipo do pequeno tirano, inseguro e prepotente, avesso ao progresso, insensível à injustiça e à miséria. Todo o seu discurso gira em torno de uma lógica oca e demagógica, construindo verdades falsas em que talvez acabe mesmo por acreditar. Os argumentos do "ardor patriótico", da construção de "um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor", são o eco fiel do discurso político dos anos 60. D. Miguel e o Principal Sousa são talvez as duas personagens mais execráveis de todo o texto pela falsidade e hipocrisia que veiculam.
Principal Sousa - Para além da hipocrisia e da falta de valores éticos que esta personagem transmite, o Principal Sousa simboliza também o conluio entre a igreja, enquanto instituição, e o poder e a demissão da primeira em relação à denúncia das verdadeiras injustiças. Nas palavras do Principal Sousa é igualmente possível detectar os fundamentos da política do "orgulhosamente sós" dos anos 60.
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