Pela análise das sequências narrativas da obra verifica-se a existência de uma articulação entre a História e a ficção, uma vez que a construção da passarola, evento que a História se refere, acaba por ser ficcionada quando se afirma que se moverá pela força das “vontades” que Blimunda recolhe.
Para melhor se compreender o modo como o plano da ficção se conecta com o plano da História, é pertinente enumerar as sequências narrativas que constituem a obra (constituída por 25 divisões, as quais estão separadas graficamente e que, por uma questão de clareza, aqui se designam por capítulos):
O 1º capítulo abre com a caricatura da relação entre o rei e a rainha e a promessa da construção de um convento em Mafra.
No 2º acontece o milagre que leva à edificação do convento e refere-se o envolvimento dos franciscanos no mesmo.
O 3º destaca a oposição entre ricos e pobres, fazendo-se um apelo à justiça, porque “o sol quando brilha é de todos”.
No 5º descreve-se o auto-de-fé no qual a mãe de Blimunda é condenada ao degredo e narra-se o encontro entre Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu Lourenço, que acaba por casar o par amoroso.
O 6º capítulo reporta-se ao encontro entre Baltasar e o padre, em S.Sebastião da Pedreira, agora com o intuito de este convidar o primeiro para construir a passarola.
O 7º refere o nascimento e o baptizado da filha de D. João V e D. Ana Maria (a infanta D. Maria Bárbara), reiterando-se a promessa do rei relativamente à construção do convento.
No 8º, assiste-se à revelação que Blimunda faz a Baltasar sobre os seus poderes e ao jogo sádico de D. Francisco, irmão do rei, cujo entretenimento passa por alvejar os marinheiros que se encontram nos barcos ancorados no Tejo. Há ainda dados sobre o nascimento do segundo filho do rei (D. Pedro) e a escolha do local para edificar o convento (alto da vela, em Mafra).
O 9º capítulo foca os trabalhos de Baltasar (Sete-Sóis) e de Blimunda (Sete-Luas) na construção da passarola, assim como a partida de Bartolomeu Lourenço para a Holanda, onde vai procurar, junto dos alquimistas, meios para fazer voar a máquina. Apresenta-se ainda a descrição da tourada no Terreiro do Paço e a partida de Blimunda e do companheiro para Mafra.
No 10º, dá-se o contacto de Blimunda com a família de Baltasar e fica-se a saber que vários agricultores da região foram expropriados e obrigados a vender as suas terras na Vela por causa do Convento. Foca-se a diferença entre os funerais do príncipe D. Pedro e o do sobrinho de Baltasar; refere-se o nascimento do príncipe D. José (futuro rei de Portugal), a religiosidade da rainha, a doença do rei e a sedução da rainha por parte do cunhado, D. Francisco.
No 11º capítulo, verifica-se o regresso, após três anos, do padre Bartolomeu. Este procura Blimunda e Baltasar para lhes revelar o segredo que fará voar a passarola (o éter, que esta presente na vontade dos vivos), dando-se conta, também, dos primeiros trabalhos da construção do convento.
O 12º capítulo retrata o lançamento da primeira pedra para a construção do convento e os festejos que isso envolveu; a partida de Baltasar e Blimunda para Lisboa para recomeçarem a trabalhar na passarola.
O 13º reporta-se fundamentalmente à procissão do Corpo de Deus (8 de Junho de 1719).
No 14º capítulo, dá-se conta das lições de música da infanta Maria Barbara pelo professor Domenico Scarlatti, que toma conhecimento do projecto da passarola e inicia as suas visitas à Quinta de S.Sebastião da Pedreira.
No 15º refere-se à epidemia de cólera e febre amarela, a recolha das “vontades” por Blimunda e a sua doença (cuja cura se deveu à musica de Scarlatti), e noticia-se a conclusão da maquina de voar.
No 16º capítulo, retratam-se os medos do padre Bartolomeu Lourenço em relação à Inquisição; apesar disso, concretiza o seu sonho passados uns meses: narra-se a passagem do “pássaro” voador sobre as obras do convento, a descida em Monte Junto , a preocupação do padre e a sua tentativa de suicídio, o incêndio da maquina voadora, o desaparecimento do padre e o regresso de Blimunda e Baltasar a Mafra.
No 17º relatam-se os trabalhos de construção do convento, onde Baltasar começa a trabalhar, e a jornada que este faz a Monte Junto para ver a passarola; a visita de Scarlatti ao casal para o informar da morte de Bartolomeu Lourenço, em Toledo, num dia de um terramoto ocorrido em Lisboa.
O 18º capítulo focaliza os gastos reais. Alguns trabalhadores narram, em Mafra, as suas histórias de vida, agora que estão longe das suas terras.
No 19º Baltasar é promovido a boeiro, e nessa condição foi a Pêro Pinheiro para trazer, até Mafra, uma enorme pedra; no percurso foi esmagado um dos trabalhadores – Francisco Marques.
No capítulo 20 acompanha-se a viagem de Baltasar e Blimunda a Monte Junto, com o intuito de reparar os da máquina voadora; relata-se a miséria e o ambiente vividos em Mafra, bem como a morte do pai de Baltasar (Francisco Sete-Sóis).
O capítulo 21 relata o passatempo do rei na construção de uma miniatura da basílica de S. Pedro de Roma. Relaciona-se esta ambição com a decisão de aumentar o convento de Mafra, como forma de compensar a frustração real por não construir a réplica da basílica de S. Pedro em Lisboa; fala-se do recrutamento de homens por todo o país para trabalharem no convento, em virtude do rei ter decidido inaugura-lo no dia do seu aniversário - 22 de Outubro de 1730.
No 22º, assiste-se ao casamento da infanta D. Maria Barbara com D. Fernando VI de Espanha e de D. José com D. Mariana Vitória, à viagem da família real para Espanha (durante a qual se cruza com trabalhadores, que despertam a compaixão da princesa; esta acaba por sair do país sem conhecer o convento que fora mandado edificar pelo seu nascimento).
No 23º surgem os preparativos da sagração do convento, com o cortejo das estátuas dos santos, a partida de Baltasar para Monte Junto e o seu desaparecimento com a passarola.
No 24º, destaca-se a partida de Blimunda em busca de Baltasar e a sagração do convento.
No 25º e ultimo capítulo, dá-se conta da peregrinação que Blimunda encetou, durante nove anos, na procura de Baltasar, até o encontrar num auto-de-fé e libertar a “vontade” dele, no momento em que este está a ser queimado, junto de António José da Silva que aí também perdeu a vida.
Pelo que se expôs anteriormente, não restam dúvidas de que a acção se polariza em torno de dois temas: a construção do convento de Mafra e da passarola, por um lado; o amor de Baltasar e Blimunda, por outro.
Do primeiro, refaz-se a visão da História e constata-se a afirmação do maravilhoso; do segundo, alimenta-se um mundo alternativo, que não se quer dominado pela injustiça, pelo obscurantismo e pela prepotência que domina a visão politica retratada no século XVIII.
Sem comentários:
Enviar um comentário