Tratando-se de uma obra ficcional, esta encontra-se referenciada por um tempo e um espaço narrativos que valem pelo que sugerem e pelo que ultrapassam da contingencialidade histórica. E o anacronismo do discurso do narrador permite-lhe revisitar o passado e recuperar vidas que a História esqueceu.
A atitude narratológica assumida no romance coloca algumas dificuldades de abordagem neste narrador, principalmente porque a instancia narrativa não é una, subdivide-se em outras de menor importância, manipuladas pelo narrador principal.
O narrador é quase sempre omnisciente e heterodiegético, mas este estatuto não serve as intenções polifacetadas e criticas do autor; por isso, este vai servir-se de outros processos, descentrando-se, facultando o seu estatuto a outras personagens, assumindo o ponto de vista do outro.
A omnisciência do narrador é desde o início assumida, visto que ora se apresenta como conhecedor de toda a intriga, ora levando hipóteses ou deixar antever, anunciar partes do que vai acontecer (por exemplo, o anuncio da morte de Álvaro Diogo).
A própria focalização heterodiegética é relativizada, porque há momentos em que a sua exteriorização face ao narrado se dilui, passando a identificar-se com as características dos participantes na história (como se comprova com a utilização da primeira pessoa do plural) - esta estratégia de aparente participação na intriga é abandonada quando acaba o relato da batalha, próximo de Jerez de los Caballeros.
O estatuto do narrador é aparentemente contraditório: por um lado, há tentativa de aproximação à época retratada, ao reconstituir a cor do local e epocal; por outro, dá-se um enorme efeito de distanciação, visível nas inúmeras prolepses e na ironia sarcástica (utilizada para atacar alguns aspectos da História, fundamentalmente os que se ligam às personagens socialmente favorecidas); na adopção da linguagem (permitindo distinguir entre um vocabulário respeitante à época histórica retratada a outro e que se reporta à actual - por exemplo, a actualização de vocabulário é visível quando se descreve a pedra do pórtico da igreja, cujas medidas e pesos são dados primeiro em pés, palmos e arrobas, para depois se falar em metros e quilos). Temporalmente mais afastados estão os momentos em que o narrador simula actuais visitas guiadas ao convento de Mafra.
O estatuto de narrador omnisciente e heterodiegético progride na complexidade de tratamento, visível com o aparecimento de subnarradores e outras focalizações.
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