O narrador manipula o tempo a seu belo prazer e constata-se que, se há linearidade e respeito pela cronologia na datação dos acontecimentos históricos relatados, as anacronias – principalmente prolepses – também reflectem o afastamento temporal da intriga. O narrador tem consciência da não correspondência entre o tempo da história e o tempo do discurso, e disso dá conta (quando simula a voz de um cicerone que, na actualidade, guia os visitantes ao convento, detectando-se aqui a oposição entre dois tempos diferentes).
As prolepses são também visíveis quando o narrador anuncia o futuro de algumas personagens, como é o caso da morte do sobrinho e a do infante D. Pedro; a morte da mãe de Baltasar; a referencia aos filhos bastardos do rei D. João V, entre muitos outros dados. Se estas prolepses afirmam a omnisciência face à progressão da acção, outras há que servem o narrador distanciando os acontecimentos, na adopção de uma atitude irónica face a estes últimos (destacando-se a chegada de ex-colonos, por volta do 25 de Abril; a referencia aos cravos que serão símbolo da Revolução, quando um dia forem enfiados nos canos das espingardas; a ida à lua, quando se refere às viagens que a passarola podia facilitar; o desaparecimento dos autos-de-fé; a alusão ao cinema e aos aviões).
O distanciamento do narrador em relação à acção narrada é igualmente perceptível nas interpelações directas que faz ao narratário, na criação de um efeito de distanciação, que impede a identificação deste com as figuras da corte (o parodismo, o ridículo são evidentes pela adopção lexical proposta).
Há ainda outros momentos em que o tempo diegético não coincide com o tempo da história, quando o narrador recorre a elipses temporais, como acontece de 1730 (altura em que Baltasar desaparece - véspera da sagração do convento) a 1739, ano em que a acção termina e se dá o reencontro das personagens principais (na altura em que António José da Silva e Baltasar são queimados no auto-de-fé e as duas personagens do casal se reencontram num plano espiritual, místico). O mesmo sucede com o recurso à analepse. Todo um conjunto de referencias que, na cronologia de 1711, quando se dá a promessa real da construção do convento em Mafra; a chegada de Baltasar a Lisboa, com 26 anos; o encontro deste com Blimunda e Baltasar Lourenço); sucessivos recuos permitem dar conta da perda da mão esquerda de Baltasar (“o ano passado”, ou seja, 1710); das primeiras tentativas de voo do balão de Bartolomeu Lourenço (“faz dois anos”, isto é, 1709); do casamento do rei e da rainha (“há mais de dois anos”); da presença de Baltasar na Guerra da Sucessão de Espanha (“quatro anos”, 1707); entre outros.

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