sábado, 2 de junho de 2012

Memorial do Convento - José Saramago - Estilo e Linguagem

O estilo e a linguagem de Saramago

Em Memorial do Convento, Saramago adopta um estilo que contempla rupturas com as normas linguísticas, a convencionalidade do código escrito (principalmente a nível da pontuação, da interpenetração de falas e de discursos e do uso da maiúscula no interior da frase).
A escrita de Saramago explora efeitos de polifonia, que conjugam uma pluralidade de vozes, de discursos – é, por vezes, complicado destrinçar a pertença das vozes intervenientes, frequentemente interrompidas por comentários do narrador, não poucas vezes irónicos.
Se a frase longa dificulta a leitura e a percepção da informação, aproxima-se do contínuo próprio do discurso oral, repescado para uma escrita que simula um narrador orador que se pronuncia e interage com o narratário.

Até a descrição de elementos espaciais ou de comportamentos ou atitudes das personagens manifesta uma clara desobediência às regras linguísticas, levando à confusão entre elementos descritivos e narrativos, à mistura de diálogos e outros segmentos frásicos num discurso indirecto "diluído", que mais não é que a reprodução das falas das personagens, à utilização convergente de marcas deícticas referenciadas a momentos distintos (o de um presente localizado no tempo evocado - século XVIII - e o do presente da produção do próprio discurso romanesco - século XX).

Importa destacar a importância da vírgula, que é o sinal gráfico que se sobrepõe a todos os outros, separando as intervenções das personagens e marcando o ritmo e as pausas do texto. Os sinais de pontuação que traduzem as exclamações ou as interrogações estão ausentes do texto, embora estas sejam proferidas pelas personagens (a julgar pelas construções sintácticas de alguns enunciados lidos). Cabe ao leitor demarcar as suas manifestações e descobrir, pela leitura, a sua presença. Estamos perante um discurso novo, "sui generis", incomparável, por vezes directo, por vezes indirecto, por vezes indirecto livre, e também directo livre (com presença de marcas deícticas atrás referidas).

O tom coloquial e as interpelações ao narratário fazem lembrar um estilo semelhante ao usado nos sermões barrocos do século XVIII, o mesmo sucedendo com a rebuscada adjectivação, as extensas estruturas enumerativas, as inversões sintácticas. Rico nos recursos estilísticos, nos pormenores visualistas e sensitivos, explorando mecanismos consentâneos com o discurso barroco que surge representado, recorrendo a expressões e a marcas oralizantes (provérbios e outras expressões de sabedoria popular), o discurso saramaguiano explora uma diversidade de matizes, estrategicamente adoptadas para marcar a irreverência no modo como se olha(m) os factos narrados.

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