domingo, 13 de novembro de 2011

Epicurismo

Doutrina filosófica fundada por Epicuro (nasceu em Samos em 341 e morreu em Atenas em 271 a.c) em Atenas por volta do ano 307 a.C e que durou até ao século V d. C., tendo sido retomada no século XVI por Gassendi, entre outros. O epicurismo estava sobretudo preocupado com a vivência prática (a vida comunitária e a prática da virtude), mais do que com a justificação teórica, tratava de seguir dogmaticamente as posições fundamentais do seu primeiro mestre no que diz respeito à ética, à gnosiologia, à física e à cosmologia. O ponto central em torno do qual todos os outros se ordenam é a ética. 

Neste âmbito, Epicuro defendia que o homem deve procurar a felicidade e que a encontra em duas formas de prazer: o perene e o que está sujeito á alteração. O prazer é o equivalente à ausência de dor, sendo, portanto, esse o objectivo supremo do homem. A dor física é a mais fácil de eliminar, pois normalmente, pensava Epicuro, tem pouca duração; já a dor moral ou espiritual é mais difícil de dominar, pois está enraizada no homem e nem sempre se lhe conhecem as causas. É neste sentido que Epicuro procura explicar que as percepções, materiais ou espirituais, são sempre verdadeiras, o juízo que formamos acerca delas é que pode não ser.

Quanto à sua cosmologia e à sua física, defende, no fundamental, o atomismo materialista de Demócrito, o qual teria conhecido através de Nausífanes: tudo é composto por átomos, inclusivamente a alma, embora estes sejam mais subtis do que os do corpo.

Estoicismo


O principal fundador do Estoicismo foi Zenão de Cicio (cerca de 300 a.c).
O Estoicismo era um sistema monístico, defendendo que o Cosmos era uma entidade única e que Zeus ou o fogo da razão criadora se assumiam como um aspecto desse mesmo Cosmos, que funcionava de uma forma cíclica.
O sábio devia conformar-se com a Natureza e nao lutar contra ela.
Pregava a indiferença face aos bens materiais e o seguimento das virtudes: discernimento, coragem, justiça e autodomínio.
O autodomínio permite a aceitação das acções do Cosmos, do fatum e da morte inexorável.
Expressa um forte universalismo defendendo a fundação de uma comunidade humana.
Defende que todos os seres humanos contêm em si a chama da razão ou o fogo criador divino, assim, defende a igualdade de oportunidades para todos os seres humanos.

O verdadeiro estóico deveria assim auxiliar os outros e ignorar diferenças de raça, condições de nascimento, etc.

Ricardo Reis

Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, é o poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas. A filosofia de Ricardo Reis é a de um epicurismo triste, pois defende o prazer do momento, o “carpe diem”, como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos dos instintos. Apesar deste prazer que procura e da felicidade que deseja alcançar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade – ataraxia.

Ricardo Reis propõe, pois, uma filosofia moral de acordo com os princípios do epicurismo e uma filosofia estóica:

- “Carpe diem” (aproveitai o dia), ou seja, aproveitai a vida em cada dia, como caminho da felicidade;

- Buscar a felicidade com tranquilidade (ataraxia);

- Não ceder aos impulsos dos instintos (estoicismo);

- Procurar a calma, ou pelo menos, a sua ilusão;

- Seguir o ideal ético da apatia que permite a ausência da paixão e a liberdade (sobre esta apenas pesa o Fado).







Alberto Caeiro - A poesia das sensações

"O meu olhar é nítido como um girassol"

O meu olhar é nítido como um girassol
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás... 
E o que vejo a cada momento 
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer, 
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...

Amar é a eterna inocência, 
E a única inocência não pensar...


No primeiro verso deste poema o sujeito poético apresenta uma comparação com um girassol. Esta comparação é feita para mostrar a nitidez do seu olhar, pois esta planta tem a particularidade de seguir continuamente a luz do sol. Para o poeta a sensação visual é-lhe suficiente na sua relação com o mundo, rejeitando pensamentos.

O sujeito poético neste poema afirma que basta sentir a realidade, não precisa de a questionar, não precisa de saber porque é que ela existe.

Alberto Caeiro é um poeta que consegue submeter o pensamento ao sentir, abolir o vício de pensar e viver apenas pelas sensações. Alberto Caeiro consegue alcançar facilmente aquilo que para Fernando Pessoa é um desejo impossível.

Alberto Caeiro

Caeiro só se interessa por aquilo que capta pelas sensações, ou seja, é um sensacionalista. Vive aderindo espontaneamente às coisas, tais como são, e procura gozá-las com despreocupação o conteúdo original da Natureza. Mestre de Pessoa e de outros heterónimos, dá especial importância ao acto de ver, mas é sobretudo a inteligência que discorre sobre as sensações. Passeando e observando o mundo, personifica o sonho da reconciliação com o universo, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza. Caeiro com a intelectualidade do seu olhar liberta-se dos preconceitos, recusa a metafísica, o misticismo e o sentimentalismo social e individual.
A poesia de Alberto Caeiro tem as seguintes características:

Objectivismo (aceitação calma do mundo como ele é e da morte):

- Atitude anti lírica;
- Atenção à “eterna novidade do mundo”;
- Integração e comunhão com a natureza;
- Poeta da Natureza;
- Poeta deambulatório.

Sensacionismo:


- Poetas das sensações tais como são;
- Poeta do olhar;
- Predomínio das sensações visuais e das auditivas;
- O “Argonauta das sensações verdadeiras” descobridor das sensações verdadeiras;
- Realismo ingénuo.

Anti-metafísica (predominância das sensações como oposição ao pensamento):

- Recusa do pensamento;
- Recusa do mistério;
- Recusa do misticismo (amar pelas coisas em si mesmo).

Panteísmo Naturalista:

- Tudo é Deus, as coisas são divinas;
- Paganismo;
- Desvalorização do tempo enquanto categoria conceptual;
- Contradição entre a teoria e a prática.




sábado, 12 de novembro de 2011

O Cubismo

Este movimento artístico surgiu no século XX e é considerado o mais influente deste período. Com as suas formas geométricas representadas, na maioria das vezes, por cubos e cilindros, a arte cubista rompeu com os padrões estéticos que primavam pela perfeição das formas na busca da imagem realista da natureza. A imagem única e fiel à natureza, tão apreciada pelos europeus desde o Renascimento, deu lugar a esta nova forma de expressão onde um único objecto pode ser visto por diferentes ângulos ao mesmo tempo.


Les Demoiselles d''Avignon (Picasso)

O marco inicial do Cubismo ocorreu em Paris, em 1907, com a tela Les Demoiselles d''Avignon, pintura que Pablo Picasso levou um ano para finalizar. Nesta obra, este grande artista espanhol retratou a nudez feminina de uma forma inusitada, onde as formas reais, naturalmente arredondadas, deram espaço a figuras geométricas perfeitamente trabalhadas. Tanto nas obras de Picasso, quanto nas pinturas de outros artistas que seguiam esta nova tendência, como, por exemplo, o ex-fauvista francês – Georges Braque – há uma forte influência das esculturas africanas e também pelas últimas pinturas do pós-impressionista francês Paul Cézanne, que retratava a natureza através de formas bem próximas as geométricas.

Historicamente o Cubismo dividiu-se em duas fases: Analítico, até 1912, onde a cor era moderada e as formas eram predominantemente geométricas e desestruturadas pelo desmembramento das suas partes equivalentes, ocorrendo, desta forma, a necessidade de não só apreciar a obra, mas também de decifrá-la, ou melhor, analisá-la para entender o seu significado. Já no segundo período, a partir de 1912, surge a reacção a este primeiro momento, o Cubismo Sintético, onde as cores eram mais fortes e as formas tentavam tornar as figuras novamente reconhecíveis através de colagens realizadas com letras e também com pequenas partes de jornal.


Le viaduc a l'Estaque (Georges Braque)

Fernando Pessoa ortónimo - A nostalgia de um bem perdido

O Menino da Sua Mãe

"No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado-
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue,
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
Agora que idade tem?
Filho unico, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera -
«O menino de sua mãe»...

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… Deu-lho a criada
Velha, que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
Que volte cedo, e bem!
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece,
O menino da sua mãe...

Esta composição poética é constituída por seis quintinhas de versos de seis silabas métricas (hexassílabos).

Inicialmente, o sujeito lírico enuncia que naquele terreno se encontra o corpo do “menino de sua mãe” que vai arrefecendo apesar da “morna brisa” que atravessa o espaço. Com esta primeira estrofe, pretende reforçar-se o sentimento que o narrador sente ao observar o absurdo dos momentos da guerra, sendo que esta é a própria temática do poema. No primeiro verso, encontra-se a primeira hipálage da composição – “no plaino abandonado” – para transportar o conceito de abandono do menino para o “plaino”.

A segunda parte do poema inicia-se com duas frases do tipo exclamativo utilizadas pelo sujeito poético para reforçar a efemeridade da vida do menino. A repetição do nome “jovem” relaciona-se com a expressividade das frases exclamativas pois estas também pretendem demonstrar a emoção da juventude do menino quando este morreu. A quarta quintilha apresenta um dos objectos que efectua a ligação entre os dois espaços e personagens presentes na composição – a “cigarreira” -. Ao surgimento deste substantivo vem agregada uma hipálage no verso “A cigarreira breve” que representa a brevidade da vida do menino pois este não teve tempo de utilizar a “cigarreira” oferecida pela sua mãe. A segunda parte do poema termina com a quinta quintilha onde surgem uma outra hipálage – “a brancura embainhada” – que se relaciona com a anterior devido à reduzida duração da vida do menino e o outro objecto que faz a ligação “menino – casa” – o lenço.

Fernando Pessoa ortónimo - Sonho/Realidade


Tudo o que faço ou medito

"Tudo o que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar além...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem."


Na primeira quadra Pessoa fala sobre os seus sonhos e desejos. Dono de uma imaginação deliberante e febril, Pessoa tinha sempre mil projectos a ocorrer simultaneamente. Mas ele diz-nos que "Tudo o que faço ou medito / Fica sempre na metade", ou seja, dos seus projectos nada se realiza por inteiro, por a realidade nunca se encontrar com os seus desejos. "Querendo quero o infinito / Fazendo, nada é verdade" - os seus projectos não se realizam, confirma-se o que dissemos antes.

A segunda quadra é a mais emocional. Perante o desespero de não conseguir nunca realizar os seus projectos, fica-lhe um sentimento de vazio e de inutilidade. Veja-se como, usando uma linguagem simples mas expressiva, Pessoa passa o que lhe vai na alma. "Que nojo de mim me fica / Ao olhar para o que faço!". "Minha alma é lúdica e rica / E eu sou um mar de sargaço" - ou seja, ele sente a sua grande imaginação, a quantidade infinita de ideias e de pensamentos que nele abundam, mas ele próprio, a sua vida real, é um mar de sargaço, ou seja, um mar de algas espessas, que prendem o movimento, que impedem que ele caminha e avance. É uma metáfora que dá a entender ao leitor o estado de desespero do poeta.

É o mar de sargaços um mar onde boiam pedaços de um mar de além. Que mar é este? Trata-se porventura de um mar distante e irreal, mas livre e desimpedido, onde os sonhos de Pessoa não o prenderiam mas antes o fariam seguir em frente, onde tudo o que ele imagina podia ser real. Mas ele questiona-se - "vontades ou pensamentos? / Não o sei e sei-o bem". É muito Fernando Pessoa este final, paradoxal e intrigante. O que ele nos diz é que mesmo esse mar de além, essa futuro irreal, pode ser uma ilusão, só a sua vontade de querer ter os seus sonhos. Ele diz saber a resposta ao mesmo tempo que a desconhece, isto porque confia no Destino.

Fernando Pessoa ortónimo - A dor de pensar


Ela canta, pobre ceifeira:

Ela canta, pobre ceifeira
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz à o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p'ra cantar que a vida.

Ah! canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!


O poema é constituído por 6 quadras, com versos octossilabicos e rima cruzada, segundo o esquema rimático abab, havendo duas pequenas irregularidades: na primeira estrofe é toante a rima de ceifeira com cheia; na quinta estrofe, é forçada a rima do eu e céu. O poema também pode ser dividido em duas partes lógicas.

Na primeira parte, constituída pelas três primeiras estrofes, o sujeito poético descreve a ceifeira e sobretudo o seu canto, canto instintivamente alegre. O canto da ceifeira era “alegre” porque talvez ela se julgasse feliz, mas ela era “pobre” e a sua” voz cheia de anónima viuvez”. Por isso, “ouvi-la alegra e entristece”: alegra se atendermos às razões instintiva da ceifeira, entristece se a virmos na perspectiva total do sujetio poético.

Na segunda parte, o sujeito poético exprime a sua emoção perante a canção inconscientemente alegre da ceifeira. Podemos, ainda, subdividir esta segunda parte em dois momentos. Primeiramente, o sujeito poético lança um apelo à ceifeira para que continue a cantar a sua canção inconsciente, porque esta emoção o obriga a pensar, e a desejar ser ela, sem deixar de ser ele, e ter a sua “alegre inconsciência e a consciência disso”. Note-se que o sujeito poético aspira ao impossível, pois ter a consciência da inconsciência é deixar de ser inconsciente.

Fernando Pessoa ortónimo - O fingimento artístico

O título deste poema sugere a análise/descrição da própria natureza psíquica.
O poema começa com uma metáfora (O poeta é um fingidor), que ocupa um lugar de destaque no poema. Caracteriza-se pelo fingimento e finge tão bem que consegue fingir a dor que sente na realidade.
Coloca-nos assim perante dois tipos distintos de dor: a dor real, sentida e a dor fingida, imaginária. A dor fingida é comunicada através da linguagem verbal.
Uma perífrase inicia a segunda estrofe: "os que o lêem" - leitores.
A poesia é apresentada como expressão da profundidade negativa da alma do poeta: a dor. A dor sentida pelo poeta (real) serve de motivo à dor fingida e é expressa pela escrita pelo poeta.



Na terceira parte do poema (terceira estrofe), como a própria expressão "E assim" indica, constitui uma espécie de conclusão. O coração (símbolo da sensibilidade) é um "comboio de corda" sempre a girar nas "calhas de roda" (que o destino fatalmente traçou) para "entreter a razão".
Nega que finge, o que faz é racionalizar/intelectualizar os sentimentos/emoções (sente com a imaginação) não usa o coração (depreende-se que para sentir).
O poeta procura constantemente nunca se satisfazendo com o que procura, mas vendo sempre naquilo com que se depara um terraço que esconde mais.
Relaciona essa procura com o facto de o poeta se querer libertar do imediato, das sensações, pois ao escrever distancia-se delas.
Usa a ironia ao rematar o texto remetendo o sentimento para a pessoa do leitor.

Concluindo, estes dois poemas pretendem transmitir uma fragilidade estrutural, todavia, escondem uma densidade de conceitos. O Ortónimo conclui que o sujeito poético é um fingidor: "finge tão completamente / que chega a pensar se é dor / a dor que deveras sente/", bem como um racionalizador de sentimentos. O pensamento e a sensibilidade são conceitos fundamentais na ortonímia, o sujeito poético brinca intelectualmente com as emoções, levando-as ao nível da arte poética. O poema resulta, então, de algo intelectualizado e pensado.